sexta-feira, 31 de outubro de 2014

sexta-feira, 27 de julho de 2012


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terça-feira, 15 de maio de 2012

SER SÓ / ESTAR SÓ

SER SÓ / ESTAR SÓ , eis as grandes diferenças de um "eu" que sou eu, e que talvez as saiba explicar...

Ser só é tão simplesmente, não ser de companhia. É ter perdido "alguém" com a certeza certa que nunca mais verá
Ser só é ser sem a... companhia de ontem na soma dos anos ser ausente dos desabafos mesmo que opostos com resolução acertada
Ser só é mais que isto....
É não sentir o olhar atento o gesto conciliador a palavra certa o carinho desejado o sonho apetecido a caber nesta realidade que se chama vida a dois!
Ser só ainda é mais que tudo isto!

...é sentir o abandono cultivado nas imagens colhidas num "ontem" qualquer
é apagar para sempre o clique de uma chave na fechadura da porta
é anular os passos apressados de encontros permanentes

Ser só é ainda mais que isto e mais do que tudo isto!!
...é o fecho da vida o abandono total nesse fervilhar profundo onde giram impacientes o grito das aves nas ramadas altas dos ciprestes e onde
tentam ainda ser nesse silêncio sepulcral e nessa solidão gratuita

Estar só é diferente! Eu não gosto de estar só Por isso, quando me desprendo do silêncio tudo se agita nas palavras que me dizem e gritam ordens na música que me enternece e consola nas vozes que me pertencem e envolvem com o seu entusiamo de vida de trabalho e das suas aspirações merecidas quando ausentes ou quando presentes

Só quando o "ser só" e o "estar só" se fundem na disposição irrequieta do meu eu, é que as sensações agradavelmente estranhas se escancaram com alguma nitidez nos olhos como se o ontem fosse hoje e o hoje fosse ontem... E é tal o emaranhado tecido no tempo que se torna difícil separar fio a fio para lhe dar a realidade desse espaço e desse tempo que tão facilmente através do mecanismo da memória, transporta

Depois tudo se quebra com a velocidade do pensar/ sentir como o vidro de uma janela aberta num dia de temporal... estilhaços que se espalham nessa bruma de tudo o que se foi e viveu em pleno

E para falar verdade começa é a cansar-me o "amanhã" que vai eclodindo nos milhares de passos apressados num adiar constante da existência da vida..."amanhã, logo se verá amanhã falaremos amanhã teremos mais tempo amanhã vamos finalmente, almoçar amanhã haverá mais coisas a dizer... Até amanhã!
E é quase neste adiar constante das pequenas e grandes coisas que a vida toma contornos de alguma angústia porque fica sempre no meio do caminho... que é esse hoje e que depressa se apaga

O ontem e o hoje, naquilo que entendemos por esse tempo, nunca mais se repetem
O amanhã será sempre mascarado de tudo isso com o gozo dor alegria sonho trabalho realidade pesadelo carícias inerentes ao pensamento e ao coração
E será sempre uma incerteza certa
Também a minha realidade é a irrealidade dos outros
A vida tem apenas a idade que tem
- Que pena não sermos como as árvores centenárias que morrem de pé e não sabem da eternidade!

domingo, 13 de maio de 2012

quarta-feira, 25 de abril de 2012

quarta-feira, 20 de abril de 2011





ÁFRICA do exotismo do cacimbo da formiga muchém da marrabenta e da marimba a marcar o ritmo do tantã da selva misteriosa do cocuana e do mesungo respeitoso do Kanimambo e do chunguila maningue da mapira da mafurra da histérica Kizomba no seu gargalhar arrepiante ao rugir do leão passando pelas tarântulas do medo nocturno e que no tempo das chuvas invadiam as casas. Como os cegos morcegos a simbolizarem a personificação tradicional das escuras forças do mal às imagens sinistras e traiçoeiras das cobras mamba e capelo que nos horrorizavam e tolhiam de medo. E a completar todo o cenário do mato africano numa balada que se etrniza o cantar misterioso da coruja de tristura indecifrável que em noites de silêncio da alma conseguia trespassá-la para ecoar igualmente na natureza inteira! E todo o poder da sua comunicação tão difícil de expressar mas que penetrou tão dentro de mim que ainda hoje e nesta distância tão grande o sinto nesse tom que dói de um estridente agudo e metálico para a sentir ecoar como nas noites antigas e que já foram até onde o seu canto pode chegar. Para além da morte! Dizem...






ÁFRICA do mufana da marruce do mainato do imbondeiro da papaia do abacate da manga da lagoa dos jacarés das marcas agigantadas do elefante oculto das caçadas nocturnas da Impala elegante e de um leopardo velho de canseiras a procurar numa noite sem histórias o abrigo acolhedor de uma capoeira...Do gargalhar misto de gritos dos macacos que nos saltavam ao caminho salpicando de erotismo as nossas viagens das arábias.
ÁFRICA sempre a durar nesta forma singular. Era o fascínio era a entrega era o colorido o exotismo era a vontade de Deus e dos Homens! Sem tabus ou preconceitos.


Tinha 21 anos e era assim que eu pensava e sentia África e a vivi durante quase 17 anos com todos os percalços no caminho...

domingo, 30 de janeiro de 2011

ÁFRICA NA NARRATIVA VIVÊNCIAS


POESIA na exteriorização da alma

sábado, 29 de janeiro de 2011

O CANTAR DO SIMBA

MOCÍMBOA DA PRAIA

Hospital Cerca do hospital

ÁFRICA


PORQUÊ, O CANTAR DO SIMBA

Percorremos Moçambique de norte a sul. Desembarcámos em Lourenço Marques, cidade encanto que nos despertou África. Meses depois rumámos a Mocímboa da Praia com visitas a Mueda e Palma. Ano e meio regressámos a Portugal por motivos de saude. Um ano depois nova partida com outro sabor de África. Agora no sul do Save. Inharrime, com visitas a Inhambane e Lourenço Marques. Também quando nos íamos banhar no Índico na maravilhosa praia de Závora. Distâncias enormes que não se contavam nem pesavam. A Zambézia já nos acenava, três anos depois. O Chinde, a Sena Sugar... Os braços do Zambeze a tornar-nos prisioneiros daquele espaço mas sempre a ultrapassarmos as dificuldades das travessias do rio, por vezes revolto ou do matope, quando nos venturávamos por terra nas nossas idas a Quelimane. Mais tarde Vila Cabral onde o palco da guerra se juntava ao nosso viver que queríamos pacífico. A luta no Hospital ao lado da nossa grande casa e a ajuda sempre que possível para atenuar sofrimentos. Colaborava sempre que necessário e gostava de estar junto de quem cuidava de tantos doentes. Um ano mais passou e o destino que não pensávamos terminar tão abruptamente, estava a correr...Nampula, cumpriu-se durante o período de quatro anos! E o pano correu-se de forma inesperada! Regresso a Portugal. Definitivamente!
Porquê o cantar do simba? O nome deste meu blogue. Porque foi em Mocimboa da Praia, terra de leão, (simba) que me ficou marcado para todo o sempre na minha alma a pulsar com todos os sentidos, o seu cantar arrepiante em pleno dia e pela noite fora...E porque me ficou o seu cheiro o medo e o delírio doutras vozes a ecoar no espaço africano o cheiro da selva outros cantares que a noite trazia o cheiro da terra molhada a melodia das aves raras o bulir quase silencioso dos ramos o calor morno dos corpos e das águas o colorido africano as aventuras de algumas caçadas e toda a melodia como orquestra nos ouvidos... O CANTAR DO SIMBA e a água da cisterna que se bebia, (e a sentença ouvida: quem bebe água da cisterna, nunca mais quer sair de África, marcaram a minha vida primeira neste espaço desconhecido)...Lá, onde o sol se esconde... como ouvia dizer a muitas pessoas, em L.Marques. Uma espécie de consolação... para quem desconhecia por completo o segredo de África e o pulsar do seu coração! Depois toda a sua nostalgia triste e alegre me invadiu.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

domingo, 3 de outubro de 2010

QUE OUTONO É ESTE

são penas caídas

espalhadas no chão

são rostos da vida

que morrem em vão

despidas das árvores

sem folhas sem folhos

ficam na nudez

no pranto dos olhos

erguidos fantasmas

crepúsculo outonal

no rubro da espera

que atento seduz

ganha-se outra luz

tão só e mais triste

nas sombras em vão

perdidas na cor

espalhadas no chão...

são penas caídas

tolhidas no tempo

deste tempo, são

mágoas aquecidas

tão só acrescidas

no meu coração

isabelmonteiro

quinta-feira, 30 de setembro de 2010


Leva-me então amor, chama por mim

a espera é tão longa quero estar contigo

Foram-se as flores e os bancos no jardim

Lembras-te? Dos lagos das pombas...Tudo tão florido!


Aguarela nos meus olhos a caber-me inda agora

nos passos desacertados que o coração levava em mão

e havia um céu na terra ardente e a nossa hora

era como bagagem na alma escondida, uma intenção


Revejo-me no quadro. Tento agarrar esse calor brando

Que as tuas mãos à minha volta apertavam como se o sol

Farto do céu azul num incentivo dado, aos dois falando...


Sorriso de tanta coisa à volta que a palavra acorda

brandamente no meu adormecer inquieto, errando

Amarga é a saudade que em tão alta nuvem mora...



Isabel Ribeiro Monteiro

30/09/2010



segunda-feira, 6 de setembro de 2010




AÇORES/ Ilha de S.Miguel




É uma tela sobre o mar
que o olhar gasta e consome`
é esta sede e esta fome
de dizer...
É este aperto no peito
que suporta arrasa e cala
É este gritar da terra
Seiva sangrenta a correr
É este cheiro do mar
É este verde matina
Cheio de névoa e de cor
É esta subida ao céu
Neste jazer infinito
Jardins suspensos, magia
O debruçar da amurada
Silente paz orvalhada
onde o pobre olhar se esgueira
e a palavra não se alcança...
É esta voz este canto
Sopro névoa solidão
vento em surdina que passa
Colhe no ar as palavras
promessas nas minhas mãos...
Em soluço e doce pranto
É esta Ilha de encanto
Perpétuo sacrário em flor
no basalto austero e frio...
E nos âmagos de mim
a própria voz talha a pedra,
tomba a folha no jardim
na paz secreta e dorida,
voz da terra voz do mar
que levo no coração
e transporto no olhar.




isabelribeiromonteiro
20/08/2010


sábado, 26 de junho de 2010

TUDO SE PERDE AO LONGE ... JÁ NÃO HÁ MAIS NADA!



Tudo se perde ao longe

já não há mais nada.

Sentir é nada

se existir não pode

tanta rota ignorada

Tanto gesto inútil

nessa sombra do repouso vão

que por si se explica

ou talvez não

nada se explica

rigorosamente nada!

Voam as pombas

na imaginação

de um céu volátil

que se abate

quando a chuva cai

se tudo acaba tudo se vai

nada se detém

à sorte dura

Alcova térrea

onde tudo passa e esquece

da alma o refrigério...

ruas sem nome

dos números se é cativo

marmóreo branco

tecido numa só luz

ali mora a verdade na espera sempre em vão

Dormem ciprestes e roseirais sombrios

sussurra o vento, soltam-se os pardais

em lancinantes pios

serenata tardia melancólica e triste

estende-se a vida que o olhar consome

de nunca haver mais nada

prisioneira da inútil estaca

e de uma simples matemática:

nada a somar ou a subtrair

nada a multiplicar ou a dividir

Amálgama confusa do sentir...

quarta-feira, 2 de junho de 2010





És tu
meu amor
és tu
que vens lá?

Eu correndo
fugindo
qual gazela
em fuga
eu sei
que na curva
eu sei
que está lá
calado e sereno
olhar
facho e luz
de mãos estendidas

não demoro já
eu sei
meu amor
eu sei
que estás lá

vou já
já lá vou...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

aniversário 15/05

NUNCA MAIS
te verei chegar
de carro
e no teu olhar distraído
acendendo um cigarro

NUNCA MAIS
te verei chegar
da nossa janela
onde tudo
tinha um sentido
a qualquer hora
que chegasses
e me encontrasses
à espera

NUNCA MAIS
te verei chegar
quando absorta
na distância
ouvia a melodia
do teu assobio familiar

NUNCA MAIS
te verei chegar
paraste no centro
da minha vida
e todo o mundo
que irradiava
à nossa volta
parou
à nossa porta

estática
fico no silêncio
mordendo todo
o passado
que quero
como recordação
Oh!soubesse
eu saboreá-lo
no tempo
de agora
que me foge
e trai

porque nunca mais
te verei chegar!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O CANTAR DO SIMBA



MOCIMBOA-(SIMBA), terra de leão.
E quando um dia em Lourenço Marquesnço Marques, onde permanecemos durante os primeiros seis meses , me perguntaram qual o nosso destino a seguir e lhes disse que era Mocimboa da Praia...lá para os confins do norte de Moçambique,distrito de Cabo Delgado, a surpresa da resposta era sempre a mesma!Alguns com conhecimento da terra e também à laia de conforto iam dizendo... Para onde a senhora vai e tão novinha. Aquilo é a Coreia do Norte ...vai para onde o sol se esconde...Olhe que até andam os leões a passear nas ruas e os leopardos espreitam as capoeiras e escuta-se, pela noite fora e com horror, o gargalhar das hienas (Kizumbas) e com as chuvadas, as tarântulas entram quase em procissão dentro das casas!!!! Com estas notícias,sentia-me cada vez mais aventureira mas ficava cada vez mais horrorizada! Mas não conseguia medir tais medos. Era a primeira vez que pisava terras de África! E sobretudo o mato africano. Não me mentiram.Ouvi algumas vezes o CANTAR DO SIMBA,leão, no rio Quinhevo que distanciava da nossa casa 5Km!Mas era como se ali estivesse muito perto de nós..."Ih senhora não vais ter medo, não, o simba está a cantar ali no rio Quinhevo". Não sei o que era para eles aquela distância! À noite,também nitidamente ,se ouvia o seu arfar. Só não vi foi os elefantes, mas observei as patas agigantadas desenhadas no chão das picadas, os imensos rastos,o seu cheiro intenso que na selva se espraiava e sentia pavor sempre que acompanhava meu marido, nas suas visitas sanitárias, às regiões de Mueda e de Palma que faziam parte da Circunscrição e Delegacia de Saude de Mocimboa da Praia.E a carrinha lá se ia aguentando pelos trilhos das picadas...Eram 80 Km de suplícios pois ambas as terras, distanciavam 80K. Uma para o interior,outra para o litoral.Escusado será dizer que na época das chuvas não se podia sair para lado nenhum. Somente de avião ou de barco.
E, porque foi este grito que me ficou e me marcou profundamente, o cantar do Simba,e porque tive a oportunidade de conhecer esta, e afinal, maravilhosa terra onde todos juntos, falo das outras famílias ,éramos uma família, incluindo muitos casais de cor,e porque fui feliz e me nasceu lá uma dos filhos , e porque eu soube tão bem abraçar estas e outras viagens das arábias com coragem e entusiamo, e porque tive o ensejo de conhecer os macondes,povo guerreiro e figuras muito peculiares com as suas tatuagens originais e que impunham algum medo e de lidar com as suas mulheres e crianças de forma muito própria,até se humanizarem e porque tudo tinha um encanto inefável, incluindo a sua natureza agreste, e também o centenário e enorme cajueiro que envolvia parte da grande casa que habitámos durante ano e meio, e onde os corvos iam mitigar sedes, bebendo o sumo do caju para tombarem, logo a seguir, tontos no chão...e porque a luz do gerador eléctrico da Administração fechava às 23 horas e ao terceiro sinal dado, tínhamos que acender os pétromax e recorrer também às velas ...E, por tudo isto e tanto por aquilo que juntos vivemos, adaptando-nos a todas as circunstâncias e porque enriquecemos tão exoticamente as nossas vidas e porque volvidos tantos anos, meu Deus, e hoje me sabe tão bem recordar...KANIMAMBO!KANIMANBO!!!!!!!!!!!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Despedida

>DESPEDIDA >

Falam lenços agitados
aos nossos olhos molhados
entre tanta comoção
lenços erguidos perdidos
trazem na sua mensagem
invernos de liberdade
ilusões esperanças mágoas
a este cais da saudade

cais deserto cais sombrio

frágeis tiras de papel
em estranho festival
nas velas soltas ao vento

murmúrio já vem do mar
num suspiro vertical
cerca o silêncio do tempo

segue o navio para o mar
em rasgos de liberdade...
distante longe do tempo
vislumbro ainda a partida
no cais da minha saudade.

segunda-feira, 5 de abril de 2010





















Sou uma saudosista por natureza. Mas gosto de ser assim. Não me queixo e ninguém se aborrece. Falo comigo, olho os longes, viajo, olho os espaços, o mar o céu o sol a lua o dia e a madrugada choro rio atropelam-me as recordações arrepelam-me as saudades mas volto sempre... Tanto turbilhão nestes vôos alargados que a memória vai consentindo...Depois tudo tem cheiro cor música ritmo alegria tristeza ansiedade partida regresso...Um vaivem infernal do pensamento deambulante até às tantas da madrugada! Que bom é viajar e ninguém dar por estas minhas ausências. Vou e venho quando quero e sempre que me apetece. Não tenham dúvidas. Sermos donas de nós próprias e sabermos navegar orientando bússolas sermos timoneiros do nosso destino no mar na terra no ar assim olhando flores animais peixes pombas corvos borboletas cigarras em festa os paraísos secretos e tudo libertado e eu vestindo leve saltando leve voando leve cantando sempre a vida breve que foi tão longa verdadeira num sonambulismo adivinhada...Só não consigo a vibração nas coisas retratadas. Essa a grande luta e a gritante frustração!. O resto é perfeito.Vejo tudo e todos com uma enorme e inesgotável clareza! Demoro o tempo todo que no apetite cabe. Os sentidos abrem-se em leque e quase sinto oiço vejo toco cheiro neste perder países viajando! . E, quanto mais longe me ausento, mais o retrato de tudo é mais perfeito. As acácias em flor o cheiro do caril a forte maresia do Índico o aveludado da paisagem e tudo a perpassar nas coisas de leve quase sussurrando... o zumbir do mosquito o cantar do simba o arrastar do leopardo velho o crocitar do corvo o gargalhar da Kizomba o riso cristalino das crianças o parque dos baloiços as rodas as corridas as cantigas as vozes ai as vozes na voz a chamar...Regresso doloroso. Aceno mais uma vez. A minha liberdade! Esta a minha liberdade amarrada à escrita de onde tudo sai... O grito os olhos rasos de água a garganta apertada o peito dolorido a mágoa a cabeça vazia a memória acordada... Chego ao ponto de partida. O navio larga as amarras a sirene vibra no espaço o último aceno o marulhar das ondas o mar o céu o dia o Sol a noite as estrelas a lua...Ó meu Deus! Esqueci-me que era hoje o dia da partida. Dia 24 de Agosto de 1957, rumo a África / Moçambique.
Ficarei à espera no cais... "quando se fez ao largo a nau na noite escura/ na praia aquela mulher ficou chorando..."



sexta-feira, 2 de abril de 2010




a cobra verde
caiu
subitamente

da árvore
e soou
trás pás
no chão
da terra


confundiu-se
de repente
~ com o viés verde
do vestido verde
feito todo folhos
caído no chão


e foi
a confusão
dos ramos
e das folhas
e dos folhos
e das vozes
e dos gritos
e dos passos
apressados
e dos olhos
desmedidos
de aflição


a cobra
esgueirava-se
no chão


pergunto
a Xandreco
- faz mal
cobra verde?

-Ih senhora!

cobra verde

faz mal

não!

mas é cobra...


e da cobra verde
apenas o rabo
a rolar no chão...




sexta-feira, 26 de março de 2010

...E floresce a manhã com algum sol de consolação. Encharcados andamos todos de chuva e de política. As pessoas passam e não olham. O vazio é agora também o vazio das suas vidas. Do seu olhar. Assiste-se ao desenrolar de dramas plangentes! Contam-se os cêntimos com a certeza de que não dá para o medicamento principal...sim, esse levo que é o mais barato...e dizem que para a saude não há preços! E repetem-se as cenas em quase toda a parte onde só o dinheiro conta...De facto, com a crise instalada, qualquer vida se confunde. Com excepção de alguns. Uns poucos sérios, outros bafejados pela sorte, incluindo o pessoal da televisão, os políticos e todos os corruptos deste país que sabem conter-se e fugir com o rabo à seringa e que igualmente atinge a classe do poder... Qualquer picadela poderia ser o fim...Mas haverá justiça neste país? Toda a gente sabe que não. O que se sabe é que nunca houve tantos ricos a florescer tão de repente!!!!Escandaloso. Um encolher de ombros e um salve-se quem puder e segue em frente. No meio do caminho, todos os pobres de Cristo encontram pedregulhos difíceis de transpor, os outros agarram nas pedras e atiram-nas aos incautos e aos que nada podem fazer...Triste do país que, utopicamente e desgraçadamente, assim continua! As pessoas passam tristes e medem o chão que pisam...outros refilam por tudo e por nada. Tudo nasce do nada que é tudo! O povo português marcado pelo fatum, fado da sua existência, anda cada vez mais triste. Impera a imbecilidade dos valores opostos e das revistas cor-de-rosa narrando vidas que se ajustam nas plásticas inconformadas e, que se vendem depois para as notícias com a febre da notabilidade! Também a mediocridade de uns fazem a felicidade de outros .... Entretanto, os alunos cascam nos professores, os filhos confrontam os pais, os velhos são desprezados, as crianças abandonadas, as mulheres violentadas, os incautos assaltados, os criminosos soltos, os pedófilos perdoados e assim, a tragédia é notícia e a comédia triste da vida, hilariante! Ganham-se fortunas e perdem-se empregos. Mas dizem que tudo vai de vento em popa! As pessoas andam tristes, mais tristes do que a própria tristeza que imaginar não sabe. Com lágrimas nos olhos, disfarçam-nas, nos óculos escuros. Correm por caminhos tortuosos que a própria vida já não consegue calcetar. "O povo português é triste mesmo quando sorri".Oh meu caro, Unamuno, se o olhasses agora...e parafraseando Camões, embora noutro contexto, poder-se-á dizer...o povo caminha com o seu olhar perdido e triste e com os olhos"tão cansados/ tão chorosos/ da morte mais desejosos/ cem mil vezes do que a vida!" E lá vão de olhar vazio e de coração apertado, aguardando ... Até quando? Até quando!O Inverno da nossa tristeza!

quinta-feira, 25 de março de 2010


Lá fora, a chuva cai incessantemente e parece não querer deixar-nos tão depressa. A humanidade dolorida segue em frente. Fecha os olhos de míope e conta consigo tão só e defraudada pelos acontecimentos de todos os dias.Chora e lamenta-se todo o tempo. Baralha o próprio tempo. E ninguém para escutar! Para quê perder-se tempo com os outros? Chora talvez porque deixou passar demasiados anos...! Os de ontem, os do passado. E agora, devidamente arrumados em fotos e mensagens do coração, nas prateleiras e nas gavetas dos papéis que mais ninguém lê. Também lhes chamam recordações. Cada um tem a liberdade de viver e de acolher o que mais lhe aprouver. Sem passado não há presente e o futuro é uma incógnita sem referências.Que venham dizer o contrário. Que venha também a Primavera para adoçar o refrigério da alma. Sonolenta a noite cai...E o silêncio conforta estas madrugadas tão cheias de memória. Que vida se viveu tão recheada de espaços de êxtases de sóis de luares... Que trocadilhos os anos somaram sem dar tempo para gozar, pensa-se agora, aquelas horas maravilhosas e verdadeiras. Como se tivessemos todo o tempo acorrentado a nós...Somam-se os anos... Tudo na vida é tão célere! Que é feito dos sonhos arquitectados ontem, na ganânca da juventude ? Dos sonhos construídos em torres de marfim? Tanto amor, tanto amor! Que tempo feliz foi! Fecham-se os olhos e encosta-se a cabeça entre as mãos. Para acordar recordações... Renega-se, logo a seguir, o pensamento que de longe vem na tormenta de um mar longínquo, esvaziado em fluxos e refluxos que já se desfizeram noutras ondas e marés... . São estas as noites em que se permanece mais só e em que se mora mais perto de tudo o que se foi. O bulício do dia causa-nos naúseas e cansaços. Quanto ao vento que sempre sopra rijo por estes lados, continua bailando com a chuva. Até a velha palmeira hirta e desgrenhada que se ergue por detrás do espaço em que se habita, vai vencendo as intempéries. Resiste. A humanidade também vai resistindo sem saber bem porquê e até quando! E a divagação já não tem discurso que se endireite. É noite alta. No refúgio, na vida que nos vai restando... Chove lá fora...Sinfonia de rendilhados breves que ninguém ousa pintar. Só eu, assim tão verdadeira como a chuva que batendo na vidraça clama ou chama? Como se não houvesse mais ninguém para a escutar! O estalido na madeira o calor do espaço o silêncio do vazio...são horas e o amanhã é para acordar. São três horas da manhã. Boa noite!

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

....e depois do adeus para sempre...que é tanto tempo!




Ontem sonhei contigo...

estavas ao meu lado

como se o sol

entrasse pela janela

indiscreta

que se abriu



...e o grito de raiva
que ninguém ouviu!

sábado, 28 de novembro de 2009



" SE AQUILO QUE A GENTE SENTE..." Disse, Augusto Gil, numa das suas "Quadras Soltas" esta sentida quadra que decorei há tantos anos que se perde no tempo, mas sem na altura ligar muito à profunda exteriorização do poeta. Só hoje, eu sinto essas palavras que se aconchegam cada vez mais na minha memória num conforto para a alma. E que penso, são quase donas da minha invenção. "Se aquilo que a gente sente/ cá dentro tivesse voz /toda a gente muita gente/ teria pena de nós."
Como os anos passam. Como tudo acontece tão de repente...Que pena de não ter agarrado a vida nos bons momentos que pensava eternizarem-se. O ontem tão distante do hoje mas, curiosamente, ligados pelos fios ténues da recordação, embora fortemente marcados na memória que o tempo não apaga. Mas tudo se esfuma como nuvem que passa...Se a vida é ai que mal soa. Sei que não chorei o que devia. Ou chorei tudo dentro de mim? Talvez não aos olhos de toda a gente. A dor carrega-se no silêncio e com o silêncio. "Se aquilo que a gente sente/Cá dentro tivesse voz..." Mas, também a solidão das noites nos compensa de alguma forma, sobretudo quando nos faz emigrar para as recordações que são passado feliz e que se anseia recordar sempre. É, ironicamente, um pouco do remédio que nos resta! Ou será este, outro flagelo que cruelmente nos surpreende? ...Longe, muito longe, está bem viva nos mosaicos da memória, toda a minha vida passada.Vida resplandescente, saudável, passeada nos jardins da minha juventude. E era assim coroada de uma suprema ingenuidade que o aconchego da família sustentava tão serenamente, nesse bom viver e nessa forma de estar. Nada me faltava e nada me faltou. Sempre. Mais tarde, o Amor, a dedicação, os cuidados redobrados, que a vida reserva nessa partilha a dois e que muitas vezes, o destino das surpresas, nos reserva. E, tudo aconteceu, tão de repente, nessa noite de verão. Foi no dia 24 de Agosto, em Alpedrinha. Era uma estância muito agradável e onde se juntava muita gente, vinda de todas as partes do país, para ali gozar as melhores e mais tranquilas férias na paz bendita da Serra. Esta, coberta da sua giesta em flor, parecia emoldurar-se nos nossos olhos como cenário único! Tal o seu encanto. E, era o dia e a noite que nos trazia os amigos a confraternização e os novos conhecimentos. Eram as noites mágicas dos passeios, dos bailes e dos encontros. Tudo era naturalmente belo como a paisagem que evidenciava a beleza da nossa juventude. A nossa liberdade, o nosso êxtase pela vida. Inanarrável a esta distãncia! E, como sempre, acontecendo as melhores e grandes surpresas. Foi numa noite de verão escaldante. O céu engrandecia-se com o brilho vivo de tantas estrelas. Era noite de baile. Por essa altura, iniciava-se o cortejo da entrada com alguma gala e circunstância. E, era gente grada de todas as redondezas que ali afluía. Do Fundão, da Covilhã, de Castelo Branco, entre outras. A realização de um baile circunstancial no final de Agosto era já uma tradição. Tinha lugar no Clube da simpática vila beirã. Eu, com os meus pais e irmãos, gozava naquela estância, já de tradição, os belos ares da Serra da Gardunha que acalmavam a vida agitada, passada um mês antes, na praia da Nazaré com toda a inquietude que as férias, nestas estâncias, proporcionam. ...Tocava uma valsa. O meu irmão mais velho, quis iniciar o baile comigo. As pessoas à volta olhavam-nos com admiração. Era jovem e bonita, o meu irmão jovem e garboso cadete da Escola do Exército. Outros pares se estrearam mas nós sempre na berlinda das atenções. E, foi nessa noite, que a minha vida iria ter outro rumo. A música não cessava de animar o ambiente, ora bem ritmada ora mais lenta, na volúpia dos pares apaixonados. Quanto a mim, embora com muitos pretendentes, confesso que não me tinha decidido verdadeiramente por nenhum. E, já tinha pares para quase toda a noite. Havia, naquela altura, a oportunidade de marcarmos as danças com os rapazes, o que chegasse em primeiro lugar tinha a primazia e por aí fora.E, eu lá disparava com alguma galanteria, sempre que pretendida, as frases para entreter...só para a 5ª música! A determinada altura da noite, chegam algumas famílias da cidade da Covilhã e da então, vila do Fundão que ali gozavam as suas férias. Aconteceu, que uma amiga, hoje minha cunhada, vem ter comigo para me comunicar que havia alguém no salão, ansioso por me ser apresentado. Primeiro, não liguei, mas pela insistência, tornei-me curiosa. E, eis-me à sua frente . Os nomes, os cumprimentos, um furtivo olhar, e o meu destino ali a ser traçado sem quase dar conta. Pouco tempo passou e já não me lembrava do seu nome. Ele, António Paulo, não se esqueceu do meu. E, chegando de novo junto de mim, pediu-me para dançar. Respondi-lhe que não, porque estava já comprometida para aquele momento e para o outro ...e outro... O quê? respondeu. Tenha paciência mas não pode ser como diz... Isso é muito tempo de espera e eu quero dançar já consigo. Portanto, descomprometa-se e mais ainda, vai ser o meu par para o resto da noite. Dizendo isto, com um sorriso que me conquistou. Mas a minha primeira impressão foi de surpresa. Eu, que comandava tudo a meu bel-prazer e sabia estar ou não estar com quem me agradava apenas, e a receber ordens! Confesso que passei da surpresa da graça autoritária ao consentimento. E, o que é certo é que acedi pela forma original do seu convite. O meu destino, feito dos meus sonhos burilados de encanto e de esperanças, estava traçado. Era médico na capital. Namoro breve de um ano, acentuado por imensas saudades, pelo facto de ter estado quatro longos meses no estrangeiro. Casámos um ano depois. Relembro que na altura em que estava para chegar a Lisboa, tínhamos ensaiado o nosso reencontro, através de uma correspondência quase diária, cheia de projectos e de grandes sonhos de amor. Dizia-me na sua escrita apaixonada que ao desembarcar, me afogaria com muitos beijos. Mas, na altura estava acompanhada da minha mãe, que juntamente com o seu pai, figura grada da Magistratura, na capital, o esperava também. Eu, uma romântica por excelência, já me via a correr para ele mal o avistasse. De facto, corremos um para o outro mas, ali ficámos extasiados com os olhos brilhantes de desejos incontidos para adoçarmos aquela separação!E foi apenas um beijo pueril que fez jus àquele momento. A liberdade do gesto e da acção retesada pelos valores fundamentais de então... Mas respeitavam-se. E, foi assim que a nossa vida se iniciou, estruturada num amor verdadeiro e para todo o sempre. Até ontem... Que felizes fomos! Eu era muito mimada e continuava a sonhar. O meu marido tinha mais uns anos do que eu mas tão jovem de espírito e de compreensão que sempre me encantou. Fazíamos um belo par. Tinha muito orgulho nele. Um pedaço de céu que me cabia. Dois anos passaram. Entretanto, o meu marido entusiasmado por colegas do então, Hospital do Ultramar, onde trabalhava e com alguns a pensar África, resolveu-se também a experimentar essa aventura. Os médicos eram mal pagos. Estávamos em começo de vida. E, depressa se deu resolução a esse novo percurso. Chorei como uma madalena por ter de deixar os meus pais e irmãos. Era e continuo a ser muito ligada à família, infelizmente agora mais reduzida. Partimos rumo a Moçambique. O nosso destino por um período de 17 anos! Recordo ainda a despedida. Tão presente estava. Apesar dos 19 dias de viagem a bordo. A sirene do navio, as serpentinas, ténues ligações a rasgarem-se no primeiro deslizar do navio e a música envolvente...Senti o coração apertado pelos acenos que ficaram no cais a transformarem-se cada vez mais em pontinhos brancos na distância. Até desaparecerem no horizonte. A viagem entre o mar e o céu tinha o condão de nos embalar e de fixarmos os olhos nessa fusão de azul infinito e das grandes causas. E dos grandes mistérios. E o amor superou tudo e todos. Muito embora ficassem as saudades. Connosco viajava o nosso primeiro filho, o Zé de um ano apenas. Percorremos Moçambique de Norte a Sul e lá vivemos e demos 17 anos das nossas vidas. Regressámos em 1974 a Portugal. Pelos motivos conhecidos. Recomeço de nova vida e a luta iniciou-se com toda a coragem e determinação. Como a que vivemos em África. Somente o clima o espaço e as pessoas eram diferentes. A solidariedade em terras do Índico era única! O António voltou ao seu trabalho no Hospital Egas Moniz e Centros de Saude, eu, a regressar à Faculdade para terminar o Curso de Românicas já iniciado, e a leccionar no Ensino Secundário concorrendo em mini-concursos. Fazia-me então companhia o meu filho mais velho que por essa altura entrava para a Faculdade de Direito. E foi uma nova luta que cada um se encarregou de levar a bom termo. Todos os outros três a acabar o Secundário e a continuar depois no Ensino Superior. Foi toda a nossa vida uma vida cheia de tudo. De bons e maus momentos. Preenchida de alegrias e de tristezas. De grandes preocupações e de momentos cheios de sol e de paz duradoura.Como todas as vidas. Afinal o percurso é sempre igual para todos, variando as nuances que experimentamos ou que a vida nos reserva enquanto por cá se caminha. Depois, a rotina dos dias transformados em meses, anos, sempre chegando ao sábado num fechar de olhos, e às épocas festivas, num suspiro, por aqueles que vão ficando no meio do caminho...E rolam os anos e rolam as vidas e tudo se precipita no caos da existência. Que dá para pensar quando chegamos ao outono da vida. E nos encontramos cada vez mais sós...Que lágrimas sustenta agora esta tão profunda e eterna saudade! A concentração de um tempo único feito de risos e de lágrimas. Para sempre relembrado.

domingo, 15 de novembro de 2009



Minhas noites africanas

No negrume

Denso agreste

Lembrar-vos

Causa arrepio

De quem vos sentiu

Tão perto

África

Mistério aventura

Foste paz

No meu deserto

Na noite de tantos anos

Na noite de tantos ais

As vozes vêm chegando

Da selva inteira crispada

Ruídos silvos estranhos

Vultos que se movem sem ver

Numa feroz gargalhada

Corujas simbas quizumbas

São gritos qu’inda transporto

Como orquestra na memória

E quando o dia raiava

Em grandes bandos os corvos

Atacando o cajueiro

Debicando e sugando

O líquido que os saciava

Sem terem outra razão

Caíam tontos no chão

E eram luto nos meus olhos

Tudo temia e enfrentava

Na coragem dos teus sóis

Brilhando nos milheirais

E quando a terra abafava

E tudo à volta fervia

A tromba de água caía

Açoitando os areais

Da tua terra molhada

O cheiro que se bebia

Era néctar o perfume

Colhido do incenso agreste...

E tudo mais se esquecia

Do mundo nada sabia

Saudade do teu saber

Saudade não sei dizer

De tudo quanto nos davas

De tudo quanto nos deste

Minhas noites africanas

Quantos segredos e medos

Quanta ventura e esperança

Quanta angústia e tanta espera

Quanta vida e tanto ardor...

A ti voltaria um dia

Pela mão do meu amor!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

PARA SEMPRE É MUITO TEMPO...






a ti meu querido irmão gémeo, João Filipe)

Hoje, dia 30 de Outubro, fazemos anos. Ou, fazíamos.

Sem ti, o nosso aniversário, fica na metade... Sem sentido. Sem concerto. Sem festejo.

Agora, já sem tempo para o tempo deste dia. E tudo vai tão longe e se eterniza! Mas eu recuso a tua ausência. Continuas comigo e com aqueles que tanto te amavam! Enquanto gémeos, só agora sinto que foi cortado, definitivamente, o cordão umbilical...A morte na sua forma mais natural e mais cruel, abateu-se entre nós . Tu partiste e eu fiquei. A sentir mais um vazio que medir não posso, e que mergulha cada vez mais fundo, na derradeira vontade, da minha solidão.





Tivesse alguma vez
e em vão pensado
que o forte grilhão
que nos unia
pudesse finalmente
ser cortado
e nunca mais festejado
o nosso dia



tivesse alguma vez

e em vão sonhado

que tua voz, doce canto

cessaria

como no outono

o vento louco, crispado

envolvesse de neblina

a nossa vida

como a nuvem do céu

o alegre prado



tivesse alguma vez

a dor certeza

de toda a incerteza

harmonia

descansa em paz

meu querido irmão

na Paz que tens...

e não te tendo perto

hoje, a meu lado,

jamais eu quero em mim,

os parabens...

Isabel Ribeiro Monteiro

Lisboa,30-10-2009










quinta-feira, 24 de setembro de 2009







Chegámos a Mocímboa da Praia numa manhã ardente de verão africano! A viagem de Lourenço Marques até aquelas paragens demorou dois longos dias. Embarcámos no paquete Principe Perfeito até à Ilha de Moçambique onde desembarcámos. Eu, o meu marido e um filho de dois anos, o Zé. Ali fomos recebidos pelo Delegado de Saude e sua família que, para nós, naquelas lonjuras, se tornou o melhor porto de abrigo, já que deixávamos Portugal e a família pela primeira vez. Recordo, com saudades, que levava dobrado no braço um rico e lindo casaco de caraculo verde, que aos olhos de todos se traduzia por um belo agasalho de inverno! E, logo, o colega do meu marido, que nisso reparou, me disse, desta forma irónica:-Oiça lá, por que é que trás esse casacão para África? Fique sabendo que quando chegar ao destino, terá que o guardar na arca porque nunca o vestirá!...Estava longe de saber que tipo de calor iria enfrentar!!... Lá me agarrei ao casaco com mais força, numa tentativa de protecção do mesmo e com imensa pena de não o poder exibir. E, de facto, assim aconteceu. Grande sentença. Lá ficou guardado numa das minhas arcas, durante alguns anos que permanecemos em África, exceptuando Lourenço Marques e Vila Cabral, onde o frio se fazia sentir, na época do cacimbo. Também, nunca pensei poder suportar calor tão tórrido, com a agravante de uma grande percentagem de humidade. E, foi assim, que no dia seguinte, completamente fascinados com a beleza paradísiaca da Ilha de Moçambique, partimos para Mocímboa da Praia, mas já condicionados a um barco de pequenas dimensões que fazia as pequenas viagens na Costa. A viagem não se tornando tão agradável, ganhou outra dinâmica pela curiosidade pelo desconhecido e pelo prazer da aventura. No entanto, os enjôos foram difíceis de suportar...

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

UM ADEUS AO MEU QUERIDO IRMÃO GÉMEO JOÃO FILIPE
Um breve e grande interregno da alma!
O momento é de silêncio e de enorme tristeza! Faltam as palavras e não há palavras para dizer o que tão profundamente se sente. Não se podem nem devem inventar palavras quando se esgotam à partida por um motivo funesto que é o dessa viagem sem regresso. É assim a morte, vil e traiçoeira, silenciosa e brutal. Tudo acaba no momento em que surge. O luto no preto ganha aos nossos olhos um certo conforto e um distanciamento das coisas banais. A vida paralisa os gestos e a vontade de caminhar. A Saudade instala-se revestida de uma dor que se pensa impossível, porque a viver das recordações. São assim os primeiros tempos. Inconformação, desalento choro até às lágrimas ou a vontade de gritar. Também a raiva por aquilo que se não fez, entremezes que a vida tece. E a grande vontade de tudo voltar a ser como era dantes! As recordações felizes começam a desfilar a nosso bel-prazer, e nesse regresso da morte, as ilusões dos dias felizes acompanham-nos e desfilam numa cinética tão movimentada e colorida e numa entoação tão real que nos confunde e conforta por longos momentos. Uma morte recente aconteceu. A do meu querido irmão gémeo, João Filipe. Cortou-se finalmente o cordão umbilical que tão fortemente nos unia. E nem sequer tive tempo de lhe dizer adeus! Só depois e já na sua fronte incrivelmente gelada lhe deixei um beijo da minha ternura e devoção que durante toda a vida me mereceu. E te rogo também meu querido e adorado mano..."se lá no assento etéreo onde subiste/ memórias desta vida te consente..." Que a vida para além da morte seja uma VERDADE! Beijo-te onde quer que estejas. A tua inseparável irmã a tua gémea " ó grande Bé" ...

sexta-feira, 28 de agosto de 2009




ÁFRICA MINHA
Mocímboa da Praia-Cabo Delgado,1957/58


Está o simba a cantar
lá no rio Quinhevo
enchiam-se os ares
de tantos horrores
e os horrores de medo


onde canta o simba?


lá no rio Quinhevo


e o preto estendia
o braço comprido
só se via o dedo
apontar distância
que não se media


e o simba cantava...


o banzé terrível
no silêncio enorme
era só quebrado
p´lo cantar do simba
lá no rio Quinhevo


e o simba cantava...


só o rio se riu
e guardou o medo
do simba a cantar

lá no rio Quinhevo (O rio Quinhevo fica a 5Km de Mocímboa da Praia!Mas ouvia-se o cantar leão)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Percorri Moçambique de norte a sul condicionada à vida profissional do meu marido, médico, do então Quadro Comum do Ultramar. Com ele, percorri um mundo totalmente diferente, de espaços inóspitos mas estranhamente belos e que não cansavam o nosso olhar perscrutador. As picadas, eram as estradas nesse norte de Moçambique, onde pululava toda a fauna selvagem que nos saltava ao caminho e também as estranhas gentes, nomeadamente, os macondes, que se exibiam com tatuagens várias sobretudo no rosto, deixando ver também uns dentes serrados, e que nos olhavam com perplexidade, mas que uma saudação amigável da nossa parte, lhes dava confiança, correspondendo então, com acenos vários. Elas, apenas usavam a capulana à cintura, exibindo algumas, os peitos muito caídos que os filhos puxavam e chupavam até tarde. Eles, apenas colocavam uma tanga, qual folha de parreira, exibindo todo o corpo de pele áspera e com crateras visíveis pelo sol ardente de África. Um verdadeiro paraíso selvagem.Falo do distrito de Cabo Delgado, nas regiões de Mueda e de Palma que visitava todas as semanas, acompanhando meu marido nas suas visitas Sanitárias e às Maternidades.Distanciavam estas povoações, respectivamente, 80Km de Mocímboa da Praia, que foi a terra do nosso baptismo, em Moçambique. E começaram aí também as nossas estranhas aventuras das arábias...Tanto colorido tanto cheiro quanto mistério e beleza a fixar no olhar ávido de curiosidade, nessa distância que parecia não ter fim.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

África minha (1957/1974)


Foi talvez em África, espaço de infinitos e matizados horizontes e que a memória não esquece, que vivi os 17 anos mais celebrados e felizes da minha (nossa) vida. E, tudo me faz voltar a essas recordações que se foram, conjungando-as com o nascer dos nossos filhos. Meu marido foi médico em África. Com ele, percorremos os espaços exóticos que vão desde os distritos de Cabo Delgado , passando pelo do Niassa, Zambézia, Sul do Save até à fixação dos últimos quatro anos na cidade de Nampula. De tudo o que aí me deixou presa, registo, numa breve e sentida alusão, já gravada e escrita no meu livro, África nos Socalcos da Memória, 1998, que é quase um grito um hino uma saudação à ÁFRICA desse nosso/vosso tempo

...Distância marcada pelos horizontes sem fim mistura de selva e deserto de coloridos e sons múltiplos que a Natureza oferece naturalmente como orquestra implantada no seu seio com todos os sustenidos e bemóis a compor os ritmos das suas melodias e ritmos
Dos tantãs a comunicar na distãncia ao toque dos marimbeiros a fazer requebrar de forma única o seu corpo inteiro
África da nudez natural da cor morena estonteante! África a erguer-se nas manhãs claras para adormecer na languidez da noite no seu corpo cansado
África dos mistérios nocturnos das caçadas do coração a bater no emaranhado da selva escura na tentação de desvendar os seus íntimos segredos
África das Impalas amedrontadas e do olhar fascinante do leão dominador
Das pegadas gigantescas do elefante a pôr em debandada os grandes sonhadores das aventuras ímpares...
África minha risonha dos dias quentes que se eternizavam e que bebiam na noite a beleza inefável de uma Lua verdadeira já que no hemisfério Sul
África saudade das chegadas e partidas das viagens no teu seio a albergar os filhos de todos nós
África suor no rosto por tudo o que foi erguido. Na tua seiva bruta a nossa elaborada
África dos medos e dos receios vencidos
África fraterna nesse caminhar de mãos dadas
Que é de tantos anos?
Que é das noites de solidão e dos risos de todas as manhãs?
África minha e de todos vós
África a caber no coração de Portugal
África...
Onde estás agora?!

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

E Nada Acontece



Poema de Isabel Ribeiro Monteiro

Arranjo e declamação de Filipe Monteiro

Lá vem a negra




Lá vem a negra
Gingando
Ancas largas

cintura fina
De peito roliço
Rolando...rolando...

O seu corpo é rio
Seus gestos
São música
Mas também vem triste
Que feitiço existe?

Rolando no chão
Já ninguém a quer
Vai tirar feitiço
Ali na palhota
Seu mestre entendido
Espera por si
Abre-se uma porta
Horas invulgares
Que não são de espera...
Negra agora vem
Toda transparente
A trouxa de roupa
Debaixo do braço
Nos olhos a fala
Do vermelho ardente
Seu corpo de fogo
Na nudez do vento
Suas coxas grossas
Dobradas no riso
Toda sensual
Traça a capulana
De cor encarnada
Descalça dançando
Gingando gingando
Molha-se no rio
Estende-se nos verdes
Os verdes se agitam
São todos bandeiras
O sol é ardente
Na sombra esquecida
Se acendem desejos
E o que Deus quiser

E foi nesse grito
Que nasceu o mito
D´Africa Mulher.

Mas é moda já se vê...



Solicita-se uma foto adequada...


Em tudo o que se não crê…
Mas é moda já se vê

A aparente juventude
Que o bisturi atesta
Não só a aparência ilude
Parecem múmias em festa


São os peitos a saltar
Do lugar tão contrafeito
Parecem até querer voar
Quais pombas do parapeito

Quanto aos lábios tão carnudos
Que tantas lutam a ter
Torna o semblante sisudo
Fica o sorriso a haver



Desfiguradas lá vão
Até à meta final
E nem pensam como são
As máscaras do Carnaval

Em tudo o que não se crê
Mas é moda já se vê…

Isabel Monteiro
19-09-2008