sexta-feira, 9 de abril de 2010

O CANTAR DO SIMBA



MOCIMBOA-(SIMBA), terra de leão.
E quando um dia em Lourenço Marquesnço Marques, onde permanecemos durante os primeiros seis meses , me perguntaram qual o nosso destino a seguir e lhes disse que era Mocimboa da Praia...lá para os confins do norte de Moçambique,distrito de Cabo Delgado, a surpresa da resposta era sempre a mesma!Alguns com conhecimento da terra e também à laia de conforto iam dizendo... Para onde a senhora vai e tão novinha. Aquilo é a Coreia do Norte ...vai para onde o sol se esconde...Olhe que até andam os leões a passear nas ruas e os leopardos espreitam as capoeiras e escuta-se, pela noite fora e com horror, o gargalhar das hienas (Kizumbas) e com as chuvadas, as tarântulas entram quase em procissão dentro das casas!!!! Com estas notícias,sentia-me cada vez mais aventureira mas ficava cada vez mais horrorizada! Mas não conseguia medir tais medos. Era a primeira vez que pisava terras de África! E sobretudo o mato africano. Não me mentiram.Ouvi algumas vezes o CANTAR DO SIMBA,leão, no rio Quinhevo que distanciava da nossa casa 5Km!Mas era como se ali estivesse muito perto de nós..."Ih senhora não vais ter medo, não, o simba está a cantar ali no rio Quinhevo". Não sei o que era para eles aquela distância! À noite,também nitidamente ,se ouvia o seu arfar. Só não vi foi os elefantes, mas observei as patas agigantadas desenhadas no chão das picadas, os imensos rastos,o seu cheiro intenso que na selva se espraiava e sentia pavor sempre que acompanhava meu marido, nas suas visitas sanitárias, às regiões de Mueda e de Palma que faziam parte da Circunscrição e Delegacia de Saude de Mocimboa da Praia.E a carrinha lá se ia aguentando pelos trilhos das picadas...Eram 80 Km de suplícios pois ambas as terras, distanciavam 80K. Uma para o interior,outra para o litoral.Escusado será dizer que na época das chuvas não se podia sair para lado nenhum. Somente de avião ou de barco.
E, porque foi este grito que me ficou e me marcou profundamente, o cantar do Simba,e porque tive a oportunidade de conhecer esta, e afinal, maravilhosa terra onde todos juntos, falo das outras famílias ,éramos uma família, incluindo muitos casais de cor,e porque fui feliz e me nasceu lá uma dos filhos , e porque eu soube tão bem abraçar estas e outras viagens das arábias com coragem e entusiamo, e porque tive o ensejo de conhecer os macondes,povo guerreiro e figuras muito peculiares com as suas tatuagens originais e que impunham algum medo e de lidar com as suas mulheres e crianças de forma muito própria,até se humanizarem e porque tudo tinha um encanto inefável, incluindo a sua natureza agreste, e também o centenário e enorme cajueiro que envolvia parte da grande casa que habitámos durante ano e meio, e onde os corvos iam mitigar sedes, bebendo o sumo do caju para tombarem, logo a seguir, tontos no chão...e porque a luz do gerador eléctrico da Administração fechava às 23 horas e ao terceiro sinal dado, tínhamos que acender os pétromax e recorrer também às velas ...E, por tudo isto e tanto por aquilo que juntos vivemos, adaptando-nos a todas as circunstâncias e porque enriquecemos tão exoticamente as nossas vidas e porque volvidos tantos anos, meu Deus, e hoje me sabe tão bem recordar...KANIMAMBO!KANIMANBO!!!!!!!!!!!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Despedida

>DESPEDIDA >

Falam lenços agitados
aos nossos olhos molhados
entre tanta comoção
lenços erguidos perdidos
trazem na sua mensagem
invernos de liberdade
ilusões esperanças mágoas
a este cais da saudade

cais deserto cais sombrio

frágeis tiras de papel
em estranho festival
nas velas soltas ao vento

murmúrio já vem do mar
num suspiro vertical
cerca o silêncio do tempo

segue o navio para o mar
em rasgos de liberdade...
distante longe do tempo
vislumbro ainda a partida
no cais da minha saudade.

segunda-feira, 5 de abril de 2010





















Sou uma saudosista por natureza. Mas gosto de ser assim. Não me queixo e ninguém se aborrece. Falo comigo, olho os longes, viajo, olho os espaços, o mar o céu o sol a lua o dia e a madrugada choro rio atropelam-me as recordações arrepelam-me as saudades mas volto sempre... Tanto turbilhão nestes vôos alargados que a memória vai consentindo...Depois tudo tem cheiro cor música ritmo alegria tristeza ansiedade partida regresso...Um vaivem infernal do pensamento deambulante até às tantas da madrugada! Que bom é viajar e ninguém dar por estas minhas ausências. Vou e venho quando quero e sempre que me apetece. Não tenham dúvidas. Sermos donas de nós próprias e sabermos navegar orientando bússolas sermos timoneiros do nosso destino no mar na terra no ar assim olhando flores animais peixes pombas corvos borboletas cigarras em festa os paraísos secretos e tudo libertado e eu vestindo leve saltando leve voando leve cantando sempre a vida breve que foi tão longa verdadeira num sonambulismo adivinhada...Só não consigo a vibração nas coisas retratadas. Essa a grande luta e a gritante frustração!. O resto é perfeito.Vejo tudo e todos com uma enorme e inesgotável clareza! Demoro o tempo todo que no apetite cabe. Os sentidos abrem-se em leque e quase sinto oiço vejo toco cheiro neste perder países viajando! . E, quanto mais longe me ausento, mais o retrato de tudo é mais perfeito. As acácias em flor o cheiro do caril a forte maresia do Índico o aveludado da paisagem e tudo a perpassar nas coisas de leve quase sussurrando... o zumbir do mosquito o cantar do simba o arrastar do leopardo velho o crocitar do corvo o gargalhar da Kizomba o riso cristalino das crianças o parque dos baloiços as rodas as corridas as cantigas as vozes ai as vozes na voz a chamar...Regresso doloroso. Aceno mais uma vez. A minha liberdade! Esta a minha liberdade amarrada à escrita de onde tudo sai... O grito os olhos rasos de água a garganta apertada o peito dolorido a mágoa a cabeça vazia a memória acordada... Chego ao ponto de partida. O navio larga as amarras a sirene vibra no espaço o último aceno o marulhar das ondas o mar o céu o dia o Sol a noite as estrelas a lua...Ó meu Deus! Esqueci-me que era hoje o dia da partida. Dia 24 de Agosto de 1957, rumo a África / Moçambique.
Ficarei à espera no cais... "quando se fez ao largo a nau na noite escura/ na praia aquela mulher ficou chorando..."



sexta-feira, 2 de abril de 2010




a cobra verde
caiu
subitamente

da árvore
e soou
trás pás
no chão
da terra


confundiu-se
de repente
~ com o viés verde
do vestido verde
feito todo folhos
caído no chão


e foi
a confusão
dos ramos
e das folhas
e dos folhos
e das vozes
e dos gritos
e dos passos
apressados
e dos olhos
desmedidos
de aflição


a cobra
esgueirava-se
no chão


pergunto
a Xandreco
- faz mal
cobra verde?

-Ih senhora!

cobra verde

faz mal

não!

mas é cobra...


e da cobra verde
apenas o rabo
a rolar no chão...